As culturas brasileiras, copiosamente as que dizem respeito a literatura e a música, tiveram como alguns dos vários ícones no decorrer da maior parte do século XX protagonistas de proa, como os que intitulam esta coluna, sendo o primeiro de berço baiano e o segundo do interior pernambucano.
Cantados, exaltados e – quase! – mitificados por escolas de samba cariocas e paulistanas, por blocos carnavalescos e por artistas da axé music em 2012, o escritor Jorge Amado e o cantor, compositor e instrumentista Luiz Gonzaga completariam 100 anos de idade neste ano, caso não tivessem sido homenageados por frases nos seus epitáfios, missas de réquiem e tributos póstumos em suas memórias.
Nascido em 1912 no outrora ilheense distrito de Ferradas, mas atualmente ligado ao município de Itabuna, na Bahia, Jorge Amado provinha de uma família de classe média alta, sendo seu pai um comerciante do Estado de Sergipe que acabou se tornado também fazendeiro de cacau naquela parte do sul baiano.
Graduando-se em direito, o jovem Jorge transferiu-se para a então capital do Brasil, Rio de Janeiro, a “coqueluche” dos afoitos por cosmopolitismo.
Eram os anos de 1930, época de “mudanças” na política brasileira com a interrupção do revezamento governamental da “política do café-com-leite” e o amadurecimento da nossa literatura após o movimento da Semana de Arte Moderna ocorrida em 1922.
Desta saiu a reavaliação de uma das suas características, que foi a valorização da identidade e da cultura nacionais a partir da identidade regional: o regionalismo.
Com esta base literária, Jorge Amado teceu “sua identidade de escritor” sendo “uma voz do Partido, voz da revolução”, destacando no ofício beletrista seu ativismo político de esquerda por ser filiado ao PCB, Partido Comunista Brasileiro. Pode-se dizer, contudo, que Amado teve dividida a sua literatura em um “realismo socialista”, o qual foi abandonado por “uma literatura que explora o cómico e o fantástico”, com a publicação de “Gabriela, Cravo e Canela em 1958.
Diferente em vários sentidos de Amado, Luiz Gonzaga veio ao mundo na fazenda Caiçara, localizada no município de Exu, Pernambuco, filho de pais camponeses pobres. Apesar da semelhança com o baiano referente ao ano de nascimento – 1912 –, Gonzaga não pôde obter diploma universitário, fomentando a inclinação musical geneticamente transmitida por seu pai, o sanfoneiro Januário.
Indo para o Rio de Janeiro em 1939, o também sanfoneiro pernambucano experimentou diversas áreas musicais, criando daí o baião, ritmo resultante de “temas folclóricos” do Nordeste brasileiro “que era o dedilhado da viola” feito “em seu bojo pelos cantadores de desafio entre um verso e outro”, adicionado “com elementos do samba carioca e de outros ritmos urbanos”tocados anteriormente por Luiz Gonzaga, a exemplo de tangos, valsas, boleros, polcas, mazurcas e outros sons dançantes.
O fato foi que o filho de Januário, tido como caixa de ressonância do “povo sofredor do Nordeste”, esteve ligado a grupos oligárquicos daquela região, colocando-se como “artista intermediário” entre aquele “povo” e o Estado brasileiro, de maneira que este último será exaltado pelo “rei do baião” quando da política desenvolvimentista de Juscelino Kubitschek entre 1956 e 1960.
É sabido, como vimos, o hiato existente entre Jorge Amado e Luiz Gonzaga. Ambos, porém, aproximam-se por terem feito das suas ferramentas culturais reprodutoras da ideia de um Nordeste “eternamente submisso e dependente”. Será que os nossos descritos centenários possuíam “zero” de denunciantes e “cem” de conservadores?
Texto: Jorge Amorim (amorimdoporto@hotmail.com)
Texto: Jorge Amorim (amorimdoporto@hotmail.com)
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