Por Gildeci Leite*
Quem quiser pensar que o livro O País do Carnaval, de Jorge Amado, é uma exaltação à festa, pode até pensar, mas é preciso falar sobre o equívoco deste pensamento. Guardadas as diversas possibilidades de outras classificações da obra amadiana (um dia concluirei a minha proposta), lembro da divisão feita pelo antropólogo Roberto DaMatta.
Ele fala de duas fases. A primeira fase maniqueísta, pautada nos caminhos designados pelo Partido Comunista (PC) como única solução para todos os problemas sociais. Já a segunda fase, carnavalizadora, entende que para as questões da vida cotidiana e dos problemas sociais há mais de um caminho, mais de uma solução e às vezes a escolha pode ser a não escolha ou a escolha dos dois ao mesmo tempo, vide Dona Florípedes e seus dois consortes. DaMatta diz que a segunda fase começa em 1956 com a saída do escritor grapiúna do PC. Outras obras com passagens carnavalizadoras foram escritas antes, o que não é o exemplo de O País do Carnaval.
Dito isso tudo, preciso ainda lembrar que O País do Carnaval é um livro da primeira fase, mais precisamente de 1931. Nesse seu primeiro romance, o carnaval seria a própria barbárie e não condiziria com a proposta de construção de um país moderno.
Portanto quem quiser homenagear Jorge Amado neste carnaval referindo-se ao seu primeiro livro, sugiro que leia as obras verdadeiramente carnavalizadoras. Essas armadilhas são típicas de Amado, isso pode ser lido como uma forma de condenar a integralização da leitura após a batida de olhos no título da obra ou na orelha do livro. A orelha é irmã do ouvido, contudo não nos diz tudo que ouviu do irmão.
O mesmo também pode acontecer com o romance Jubiabá, pois o personagem principal não leva este nome e muitas vezes este equívoco é propalado. Balduíno, personagem principal do citado livro, é o primeiro protagonista negro que se tem notícia na literatura brasileira, mas isso é assunto para outro texto.
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Amado já apontava para a existência do ser plural: ao mesmo tempo pai e homem que vive a vida; ao mesmo tempo mãe e mulher que se completa sem o complexo de Virgem Maria e tantos outros papéis que somos e que vivemos. Contudo, talvez o nosso complexo de “vira-latas” nos impediu de ver o que sempre esteve ao alcance de nossos olhos: a formulação de teorias da crítica da cultura, hoje aceitas por nós, pois ditas por autores estrangeiros. Isso não nos leva a uma declaração de xenofobia (aversão ao que é estrangeiro), apenas a uma constatação de uma provável xenofilia (aversão ao que é nacional) praticada por muitos de nós. Xenofobia e xenofilia não combinam com Amado.
Neste Carnaval quando virem a alegria passar agarrarem-na, as obras de Amado estão ali. Quando tiverem êxtase com o Olodum, Filhos de Gandhi, Bankoma, Cortejo Afro, Ilê Aiyê, Malê Debalê e outros blocos afro, lembrem-se que a luta para o desfile dos motivos africanos e afro-brasileiros foi protagonizada em Tenda dos Milagres com o bloco ficcional Filhos da Bahia.
Você poderá encontrar um Vadinho, marido de Dona Flor, com saia e uma raiz de mandioca nas Muriquiranas, por exemplo.
Verá muitas homenagens em cima e atrás dos trios. Mas com certeza será na pipoca que encontrará diversas representações amadianas, carnavalizando o mundo com a alegria de viver, com a negra concepção aió, concepção alegre de viver.
Leia também:“Não existe uma Bahia, mas várias Bahias”, entrevista concedida por Gildeci para a revista Muito, do jornal A Tarde, edição de 26/02/2012.
*Gildeci de Oliveira Leite é professor e diretor do DCHT/Campus XXIII da UNEB, em Seabra. Este artigo foi publicado originalmente no jornal A Tarde, edição de 19/02/2012, na seção Opinião, pág. 2.
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