Ah, o sexo! Tratando de maneira linguisticamente simples ao analisar documentos escritos e a mentalidade do brasileiro entre os primórdios da colonização portuguesa, na primeira metade do século XVI, e os anos 1990, a historiadora brasileira Mary del Priore, autora de vários livros e artigos científicos, ganhadora de vários prêmios e docente em universidades brasileiras como a Universidade de São Paulo (USP) e a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), lançou em 2011 o livro “Histórias íntimas: sexualidade e erotismo na história do Brasil”.
Patrocinada pela editora paulistana Planeta do Brasil Limitada (Ltda.), a obra faz um percurso histórico acerca da sexualidade brasileira ao contar a tremenda diferenciação da “noção de intimidade no mundo dos homens entre os séculos XVI e XVII” com relação “a nossa no início do século XXI”. Foi do embate das vestes aveludadas das casas-grandes com a nudez dos indígenas e a seminudez dos africanos que as transformações foram ocorrendo.
Imaginemos a tensão vivida quase que cotidianamente por um colono ou uma colona católico em torno do dilema: pensar em sexo ou esquecer o sexo? Ainda mais que logo ao lado da vila em que morava podia haver uma tribo de nativos em que a “nudez e a poligamia [...] ajudavam a demonizar sua imagem”, embora houvesse a ideia de “inocência” atribuída aos índios.
E naquela sociedade colonial, alargada a imperial, como eram vistas as mulheres?
Aquele imaginário em torno da mestiça, trazido ao Brasil pelos portugueses sob o epíteto de “moura encantada”, não estaria ainda presente em muitas mentes de varões?
Desembarcando no século XIX, a historiadora revela uma sociedade brasileira mantida sob um “jogo de aparências”, definindo aquele período como “Um século hipócrita” pelo fato de o “adultério feminino explícito ou disfarçado, somado aos concubinatos masculinos”, terem generalizado, apesar de toda a máscara de casamento fiel exposta pelos cônjuges. O que ocorria nas alcovas era distante do que se observava nas ruas.
Toda a repressão que atravessou o império dos dois Pedros (o I e o II) para desembocar na república não impediu que o menino ou rapaz, mesmo indo à igreja confessar, se masturbasse – onanizasse ou ‘punhetasse’ –, iniciando também seus passos sexuais em “ocos de bananeira”, em “simples galinhas” e em “ancas largas das vacas”.
Contrariamente, à mulher era intolerável ter prazer sexual sem o homem – na verdade, era negado à ela ter o prazer propriamente dito, pois poderia significar ser uma “mulher rodada” –, cabendo a igreja e a alguns médicos aconselharem que as sequelas de se masturbarem seriam “de ficarem feias”, “corcundas”, com “vertigens, epilepsia, câimbras, gordura”, incluindo ainda “hálito forte, gengivas e lábios descorados, sardas e espinhas, perda de memória” e, pior, “morte lenta e dolorosa”. Caso queira, pode rir, mas sabendo que isso pertenceu a uma época.
Ao vermos que atualmente o sexo propagado por muitos galgou o patamar de superficialidade, descartabilidade, desprovido quase que totalmente de sentimento, o trabalho interessante da Mary del Priore faz-nos realizar uma viagem de como o sexo saiu da intimidade para a coletividade, não obstante a moralidade hipócrita ser permanentemente contumaz. Ah, esse Brasil!
Texto: Jorge Amorim (amorimdoporto@hotmail.com)
Fotos: Internet
Postado em: http://www.municipiosemfoco.com.br/colunas/jorge-amorim
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