LOGO TURISMO E AFINS

domingo, 20 de outubro de 2013

100 anos de Vinicius, também baiano

  • Cau Gomez | Editoria de Arte | A TARDE
    Vinícius de Moraes
No dia de hoje, Vinicius de Moraes estaria completando cem anos de vida. É data que não pode ser ignorada na Bahia, porque, embora nascido no Rio, viveu em Salvador uma fase fecunda e celebrou em músicas admiráveis seu amor pela nossa terra e nossa cultura. Ousaria mesmo dizer que, ao lado do Hino ao Senhor do Bonfim e do Hino ao Dois de Julho, a canção Tarde em Itapuã é uma das principais celebrações cívicas da nossa terra.
Nenhum artista foi mais inspirado pela Bahia do que Dorival Caymmi, nenhum soube traduzir como ele a musicalidade da nossa gente. Entre os que estão em atividade não há um sequer que chegue a seus pés, por mais que gozem dos favores da mídia e sejam hábeis em se promover. A longa amizade com Caymmi fez de Vinicius um admirador e cultor dos ritmos da nossa terra. Eis por que nosso cancioneiro tanto deve à devoção de ambos, devoção hoje negligenciada pelos nomes da nossa música que se aproveitam da Bahia, mas a deixam ausente das suas criações.

"Não separo a poesia que está nos livros da que está nas canções" - disse Vinicius à escritora Clarice Lispector. Nada mais verdadeiro. O poeta é o letrista musical, e o letrista é o poeta que pontifica nos sonetos e nos poemas longos. Soube ele usar com mestria o verso de dez sílabas, que aproxima a poesia brasileira da música. No início dos tempos, com o grande Orfeu, música e poesia eram categorias indissolúveis, a palavra flutuando nos ouvidos sob o embalo da lira.

É comum ouvirmos que a poesia está em declínio e que os jovens já não abrem livros de poemas. Lembremos, em primeiro lugar, que os leitores de textos poéticos sempre foram minorias. Mas o interesse pela poesia transcende o que está nos livros. Ela impregna toda a vida humana e chega a definir as nacionalidades: Homero é a Grécia e Shakespeare a Inglaterra. Castro Alves, naturalmente, a Bahia.

Internautas podem não ir aos livros, mas absorvem intensamente a poesia nas letras das canções populares. Nesse domínio, Vinicius foi um mestre. Amigo dos amigos, generoso coração de poeta, homem de muitos parceiros: Tom Jobim, Antonio Maria, Francis Hime, Edu Lobo, Baden , Carlinhos Lyra, Toquinho, Chico Buarque, entre outros. Da mesma idade ou bem mais novos, tal como Chico Buarque, 31 anos mais moço do que o parceiro já famoso. Tom Jobim definia-se simplesmente como "o Tom do Vinicius".
Profundamente carioca, mestre da bossa nova, autor, em parceria com Tom, de uma das canções mais famosas no mundo inteiro, Garota de Ipanema, Vinicius soube ser também um magnífico intérprete da Bahia e das coisas baianas. Se a música do grande Caymmi sempre o fascinou, a ponto de originalmente querer tê-lo como parceiro de Tarde em Itapuã (que acabou musicado por Toquinho), a Bahia está presente em inúmeros afro-sambas de Vinicius, como no belo Canto de Ossanha, feito após ouvir o candomblé, ou em Berimbau, peças magistrais em sua baianidade, ritmicamente apoiadas pelo toque de Baden Powell, recriando candomblé e capoeira. Já em Arrastão, em parceria com Edu Lobo, Vinicius, sem dúvida inspirado em Caymmi, lembra que "tem jangada no mar". A impregnação baiana da música de Vinicius vai além das obras citadas e não custa lembrar que o poeta curtiu a Itapuã paradisíaca de fins da década de 60 em companhia da sua musa baiana, a atriz Gessy Gesse.
Diplomata de carreira, sua opção pela cultura popular o tornou mal visto por setores da elite e pelo Ministério do Exterior. Os tempos eram outros, os lobos dos preconceitos arreganhavam os dentes na sociedade brasileira da época, que, aliás, já prenunciava a liberação dos costumes e, principalmente, a sexual. Mas sua vocação boêmia ofendia os puritanos: o golpe de 64 acabou por aposentar o diplomata Vinicius. Não atingiu, porém, o combatente libertário do poema O operário em construção e o refinado lírico dos sonetos de amor. Segundo o chileno Pablo Neruda, Vinicius viveu, como nenhum outro, "a verdade da sua poesia". Para a nossa terra, convém lembrar o que disse certa feita o poeta: "Fora do Rio, só consigo viver na Bahia".

Vídeos e Imagens Internet
Texto de JC Teixeira Gomes, jornalista e membro da Academia de Letras da Bahia

Nenhum comentário:

Postar um comentário